Thiago
Borges Lied
Advogado
e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Trata-se de aluna regular
(devidamente matriculada) que freqüentava curso superior na modalidade Educação
à Distância (EaD), no Município de Garanhuns/PE. Em junho de 2015, solicitou
transferência para o Pólo de Foz do Iguaçu/PR, para onde se mudou por razões de
ordem familiar e profissional. Ressalte-se que a instituição de ensino possui
Pólos/Unidades de ensino à distância em diversas localidades do país, os quais
são ligados a uma matriz que unifica e padroniza a grade curricular de todos os
cursos ofertados, e que havia vaga para receber a aluna no Pólo de Foz do Iguaçu.
Ocorre que tal solicitação de
transferência entre Pólos foi, na prática, negada à aluna pela instituição de
ensino, a qual dizia que o nome da acadêmica não constava no sistema do Pólo de
destino (Foz do Iguaçu). Após insistir por quatro meses na tentativa de ver
deferido seu pedido, a aluna então decidiu cancelar a matrícula na instituição
e entrou com ação judicial para obter a devolução dos valores pagos à
instituição referentes ao semestre não cursado e para ser indenizada por danos
morais, ante à frustração de não poder dar continuidade aos estudos na
instituição escolhida.
Para além da dimensão de direito do consumidor
(também um direito humano), aplicável inevitavelmente ao caso, por se tratar de
prestação de serviço educacional submetida às regras do Código de Defesa do Consumidor, e
do próprio direito (também pertencente ao rol de direitos humanos) à educação, queremos
chamar a atenção para outro direito envolvido, tão ou mais importante na
questão apresentada: o direito humano de ir e vir (ou direito de locomoção).
É com
fundamento nesse direito humano individual, previsto na Constituição Federal
(art. 5º, inciso XV),
que o Ministério da Educação emitiu o Parecer CNE/CES nº 365/2003, pelo qual afirma que todo
aluno que necessitar se deslocar para outro bairro, cidade ou Estado poderá
solicitar transferência e dar continuidade aos seus estudos onde vier a se
fixar, sendo proibido a qualquer instituição negar tal pedido, desde que o
estudante esteja devidamente matriculado na instituição de origem (“aluno
regular”). Transcrevemos abaixo trecho do Parecer citado, o qual pode ser
acessado na íntegra no link http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/2003/pces365_03.pdf:
Em
primeiro lugar, é preciso que se assentem dois pilares fundamentais, de base
constitucional: (1) a todo e qualquer cidadão é assegurado o direito
inalienável de ir e vir, a qualquer tempo, no gozo pleno de sua liberdade, de
tal forma que o Art. 5º, caput, e incisos II e XV, da Constituição Federal,
consagraram, respectivamente, o princípio da igualdade “de todos perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza” (caput), o princípio da legalidade segundo
o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei” (inc. II), e o princípio de “livre locomoção em todo o território
nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele
entrar, permanecer ou dele sair com seus bens” (inc. XV), acrescentando-se
ainda, no caso específico do Direito Educacional Brasileiro, de particular
interesse para as consultas formuladas, o disposto no Art. 206, inciso I, da
Constituição Federal, “litteris”:
“Art.
206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
“I
– igualdade de condições para acesso e permanência na escola;”.
Como
se pode observar, todo e qualquer cidadão estará sob o incondicional amparo, em
primeiro lugar, dos princípios constitucionais remetidos e, tratando-se de
cidadão-aluno, este, além de amparar-se nos princípios precedentes, também se
abriga nos seguintes princípios próprios do Direito Educacional, oriundos da
Constituição e corolários do princípio da legalidade:
·
o primeiro princípio: da igualdade de condições para o acesso à escola,
·
o segundo princípio: da igualdade de condições para a permanência na escola, e
·
o terceiro princípio: garantia do acesso aos níveis graduais e mais elevados do
ensino, segundo a capacidade de cada um, observado o direito de movimentação.
Esses
princípios encarnam, para o cidadão brasileiro, a garantia do tratamento
isonômico e de que nenhum direito se subtrairá de alguém se não houver prévia
restrição legal, devidamente comprovada, sob pena de lesão a direito ou ameaça
de lesão, nos termos do Art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal:
“A lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça de direito”
O
sagrado direito de livre locomoção, de livre movimentação em todo o território
nacional, o direito de ir e vir para onde e quando lhe aprouver, precede à
própria condição de aluno, mas, mesmo em se tratando do “aluno”, este somente
alcança esse status se atendidas as condições igualitárias de acesso, de todos
exigidas, nos termos da lei.
Conseqüentemente,
em razão do princípio da movimentação (livre locomoção) e, em particular, da
legalidade, no sentido de que não se pode fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei, diz-se, de logo, que não se pode negar transferência
se lei alguma assim não autoriza.
Esse
direito à transferência abrange a mudança entre instituições de ensino, assim
como dentro da própria instituição (entre unidades/pólos/campi). Por efeito, a(s) instituição(ões) deve(m) facilitar, por
todos os meios disponíveis (efetivação de matrícula; disponibilização de
histórico escolar; aproveitamento de disciplinas/matérias etc), a continuidade
dos estudos do aluno em transferência. Qualquer óbice injustificado imposto
pela instituição será considerado violação a direitos humanos fundamentais, a
viciar naturalmente a qualidade do serviço prestado, tornando-o impróprio ao
seu destinatário final: o/a estudante em trânsito.
No
caso ora estudado, a aluna procurou inicialmente os meios oferecidos pela
própria instituição para resolver o problema (Serviço de Atendimento ao
Cliente). Poderia igualmente ter procurado o PROCON ou órgãos de controle e
fiscalização da prestação de serviços educacionais, como os Conselhos e as
Secretarias de Educação competentes. Ministério Público e Conselho Tutelar, no
caso de crianças e adolescentes, também são espaços aptos a auxiliar o aluno
que enfrente tal problema. Nada impede, porém, como posteriormente fez a aluna
do nosso caso, que se acione, pari passu,
o Poder Judiciário.
Destarte,
ingressou-se com ação judicial de indenização por danos morais e restituição de
valores pagos referentes ao período não cursado pela aluna, em virtude de não
ter sido efetivada sua transferência para o Pólo de Foz do Iguaçu/PR, sem que
fosse apresentada qualquer justificativa aceitável. Os danos morais se
fundamentam na frustração por não poder continuar os estudos na faculdade
escolhida, bem como no desgaste psicológico e emocional de ficar atrás da
instituição por quatro meses para tentar resolver a questão. O valor da
indenização foi estimado na peça inicial em R$ 12.000,00 (doze mil reais) e
teve como parâmetro caso análogo julgado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, no REsp
nº 1.341.135 - SP (2012/0179180-3), decisão que foi publicada no DJe, em
21/10/2014.
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